Amo a arte em tudo que ela tem de belo e bom.
O elogio que mais me agrada é ouvir meu marido dizer: "Minha mulher é uma artista". Isto, ele diz quando me vê pintando porcelana ou tecendo tapeçaria. Porque não tenho a pretensão de ser artista, absolutamente. Distraio-me com trabalhos que tocam à minha sensibilidade. Assim como sei preparar um saboroso bacalhau, executo uma música sentimental, pego no pincel para decorar porcelana e na agulha para fazer tapeçaria.
São modalidades de passar o tempo. Confesso, porém, que me sinto muito bem, encantada mesmo, num museu de arte, contemplando tudo o que de belo produz a criatura humana e que nos afasta um pouco das maldades desse mundo tão agitado e turbulento.
Pintura (arte em azulejos) de Alice Candeias |
Folheando a última "Manchete", encontrei reproduções de várias telas de Renoir, que havia admirado em França e lembrei-me dos agradabilíssimos momentos que passamos contemplando sua arte maravilhosa. Não só dele, mas de muitos outros pintores célebres como Velasquez, Rubens, Murilo e Goya.
Citando Renoir, a "Manchete" refere-se à sua arte impressionista tão significativa que marcou a sua actividade criadora. Ele possuía uma pureza de senso artístico e um deslumbramento em relação à vida que, transmitidos às suas telas, maravilhavam os olhos de quantos as observavam.
Contam que o pintor Diaz, encontrando Renoir na floresta de Fontainebleau, junto a um tronco carcomido, com seu cavalete de pintor, viu, na tela ainda fresca, o esboço de uma paisagem sombria e disse: "Rapaz, você apreende bem a vida. Mas o faz em cores escuras. Procure pintar a natureza como seus olhos a vêem, com todas as cores".
E, realmente, a arte revela sempre o estado d´alma da criatura. Conforme a impressão do artista no momento, assim sai a obra: alegre, triste, tumultuada ou tranquila.
Renoir foi grande mestre do impressionismo francês. Cedo ele aprendeu que nas cores alegres estava o melhor retrato de sua vida interior. "Pinto o paraíso, e não o inferno", dizia.
Ele soube, como ninguém, amar a vida e olhando para dentro de si via um lago, de águas ligeiramente encrespadas por suave bris. Uma folha que caía, um pouco d´água empoçada, ou o reflexo da Lua num lodaçal, todas essas imagens ele as captava e transportava para suas telas.
"Les Jeunes Filles au Piano" e "La Balançoire" são suas telas lindíssimas que me encantaram quando as vi e que agora a "Manchete" publica, fazendo-me recordar os momentos mais deliciosos de nossa viagem.
Admiro a arte e os artistas que a trazem no sangue, como esse maravilhoso Renoir que mesmo quando atacado de reumatismo, entrevado e com dores horríveis a torturá-lo, não abandonou os seus pincéis, dizendo: "Nunca passei um dia sem pintar, por que irei passar agora"? E, embora os dedos, infelizmente, fossem perdendo a articulação e qualquer pincelada representasse uma tortura, mesmo assim Renoir não quis abandonar a sua arte e, então, amarravam-lhe o pincel na mão e ele continuou pintando quase até morrer. Suas últimas palavras foram: "Quero minha palheta".
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Por isso admiro a arte e os artistas, porque nos legam coisas maravilhosas que alegram os nossos olhos e suavizam a nossa vida, tornando-a menos materialista.
Quem me quiser ver feliz é deixar-me executar os meus modestos trabalhinhos, quer com o pincel, quer com a agulha e, às vezes também com a pena, como agora.
Amor à arte
Por Maria Cottas
Fonte: Livro Crónicas D´Agora (edição esgotada)